Como o Brasil contribuiu para o acordo de redução de emissões da ICAO

Texto final da CAAF/3 teve participação direta do país, que pediu acesso mais fácil ao combustível sustentável de aviação pelos países em desenvolvimento e a não exclusão de nenhuma matéria-prima para a produção de SAF

O desfecho da 3ª Conferência sobre Aviação e Combustíveis Alternativos (CAAF/3), realizada pela Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, foi comemorado não só pelos Estados Membros, mas também por empresas e instituições que fazem parte da cadeia do setor aéreo no mundo. A definição da meta de redução de 5% nas emissões de CO2 até 2030 na aviação internacional — seguindo com a ambição de carbono zero até 2050 — foi apoiada pelo Brasil, que não deixou de fazer alguns apontamentos, especialmente sobre como atingir o objetivo, contribuindo ativamente para o texto final do encontro.

O Brasil chegou à CAAF/3 com duas principais demandas para apresentar às demais nações. A primeira foi a busca por um entendimento de que é necessário permitir que os países em desenvolvimento tenham condições para acessar os combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, na sigla em inglês) e combustíveis de aviação de baixo carbono (LCAF, sigla em inglês). Hoje, o uso de SAF está concentrado principalmente nos Estados Unidos e em alguns países europeus. O outro ponto foi a defesa do uso das mais variadas matérias-primas para a produção de combustível sustentável, sem restrições, desde que dentro dos padrões já adotados globalmente.

No dia inicial do encontro, o diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Thiago de Sousa Pereira, foi um dos primeiros a falar. Ele fez um breve resumo do texto da delegação brasileira, no qual destacava as expectativas do país para o texto final da conferência.

“[A conferência] deve fornecer um sinal forte e ao mesmo tempo ser viável e realista, a fim de permitir que as companhias aéreas tenham acesso ao SAF sem prejudicar o desenvolvimento econômico da aviação, especialmente em regiões como a América Latina e a África”, disse. “Precisamos adotar uma abordagem pragmática e neutra, que garanta a aceitação de uma variedade de matérias-primas e rotas, desde que a produção cumpra os requisitos e critérios de sustentabilidade acordados multilateralmente”, completou.

O representante da Anac retornou no segundo dia e reiterou essas demandas na plenária da ICAO. Enquanto isso, o delegado permanente do Brasil junto à ICAO, Michel Arslanian Neto, costurava com outros países, especialmente da América Latina e da África, um apoio para que os pontos brasileiros acabassem migrando para o texto final da conferência.

Working papers apresentados pelo Brasil

Para apresentar oficialmente os seus pontos e negociá-los, o Brasil apresentou dois working papers, cada um tratando especificamente de um assunto. O trabalho nº 37 colocava como vital que houvesse um equilíbrio no acesso ao combustível sustentável de aviação, levando-se em conta fatores econômicos, sociais e ambientais das nações.

“Para que o desafio do SAF seja corretamente abordado, todos os membros devem ter uma oportunidade justa de participar neste novo mercado em toda a cadeia de valor. É essencial que a ICAO trabalhe no sentido de uma distribuição geográfica uniforme da capacidade de produção de SAF, o que permitirá que todas as regiões contribuam para a descarbonização do transporte aéreo”, dizia o texto.

Precisamos adotar uma abordagem pragmática e neutra, que garanta a aceitação de uma variedade de matérias-primas e rotas, desde que a produção cumpra os requisitos e critérios de sustentabilidade acordados multilateralmente.”

Thiago de Sousa Pereira, diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)

Além disso, a questão do financiamento também foi abordado nesse working paper. Nele, o Brasil pedia que mais do que acesso a investimentos privados e de outras instituições financeiras, como bancos de desenvolvimento. Pedia também a criação de uma iniciativa financeira climática ou de um mecanismo de financiamento da própria ICAO. “Não será suficiente que os países em desenvolvimento e os países com necessidades específicas contem com o setor privado e os bancos de desenvolvimento.”

O outro working paper, de número 26, foi apresentado em conjunto com Singapura. Nele, os países demonstraram uma preocupação em relação às restrições impostas por alguns países sobre determinadas matérias-primas, incluindo seus resíduos, para a produção de SAF, sob a justificativa de supostas alterações indiretas do uso do solo (ILUC) e a preocupação com o impacto ambiental. No texto, os países destacaram que essas questões de matérias-primas “já estavam abrangidas pelo Corsia”. O Corsia é o Esquema de Compensação e Redução de Carbono para a Aviação Civil Internacional, que rege as metas dos estados membros para chegar a zero carbono em 2050.

A motivação desse texto tem relação com diretivas técnicas da União Europeia que classificaram o óleo de palma como não renovável devido à produção predatória em alguns países asiáticos. No Brasil, essa matéria-prima é uma das mais promissoras para a produção de SAF. Da mesma forma, o etanol de primeira geração foi relegado devido a uma possível concorrência com alimentos – o etanol de segunda geração, usando os resíduos, não entrou nas restrições.

“Como o SAF ainda está nos estágios iniciais de desenvolvimento, não devemos descartar prematuramente qualquer matéria-prima que seja mais adequada para a produção de SAF sem considerações robustas baseadas em evidências. Uma abordagem fragmentada à aceitação de matérias-primas dificultará o acesso a determinadas matérias-primas, especialmente aquelas com elevados teores de ácidos graxos e energéticos, que permitem a produção de SAF em maior escala e a custos mais baixos”, aponta o texto.

“Sem a diversificação das matérias-primas e o acesso global às matérias-primas, a produção de SAF permanecerá limitada e o SAF continuará a ser significativamente mais caro do que o combustível de aviação convencional”, prossegue.

Conferência CAAF/3
Conferência CAAF/3 da ICAO foi realizada em Dubai. Foto: Divulgação/ICAO

Contribuição do Brasil para o texto final

O texto final, o Quadro Global da ICAO para SAF, LCAF e outras Energias Limpas de Aviação, endereçou essas questões apresentadas pelo Brasil, seja nos momentos de reunião aberta ou na atuação de bastidores da delegação brasileira em conjunto, especialmente, com os países africanos.

Sobre o aspecto da garantia de que haja um equilíbrio na disponibilidade de SAF para os países em desenvolvimento, inclusive com financiamentos específicos, o texto final contemplou essa preocupação brasileira. Na revisão do texto, no último dia, o diplomata brasileiro na ICAO, Michel Arslanian Neto, fez um apelo aos demais Estados Membros. “Nós tivemos a oportunidade de discutir essa questão com várias delegações e nós entendemos que seria facilmente aceito.”

E, de fato, foi. Nesse caso, o Brasil conseguiu enfatizar a necessidade de investimentos, como consta no parágrafo 37 do texto final: “Investimento público considerável, incluindo financiamento concessional, conforme apropriado, será necessário para apoiar SAF, LCAF e outros projetos de energia mais limpa para a aviação, especialmente em países em desenvolvimento e em Estados com necessidades específicas.”

Além disso, no parágrafo seguinte, como sugestão de Arslanian Neto, foi acrescentado o ponto de que a ICAO pode trabalhar para incentivar e criar novos fluxos de financiamento, bem como constava no working paper nº 37.

Em relação às matérias-primas para produção de SAF, parte do texto trabalhado em conjunto com Singapura foi parar no acordo final da CAAF/3. No working paper 26, os países pediram que três itens fossem considerados pelas demais nações:

“a) reconhecer a necessidade de o SAF ser inclusivo e adotar uma abordagem neutra em matéria de matérias-primas para apoiar a expansão da produção de SAF;
b) não excluir nenhuma matéria-prima específica, desde que atenda aos requisitos de sustentabilidade do Corsia e que proporcione a necessária redução de emissões de CO2; e
c) reconhecer os critérios de sustentabilidade do Corsia, os esquemas de certificação de sustentabilidade e a metodologia para a avaliação das emissões do ciclo de vida como base aceite para a elegibilidade da SAF.”

No documento que finalizou a conferência, esses três tópicos aparecem em alguns momentos. No parágrafo 4, item h, a frase é semelhante ao segundo tópico do trabalho conjunto entre Brasil e Singapura: “não excluir qualquer fonte, rota, matéria-prima ou tecnologia específica de combustível, desde que atende aos critérios de sustentabilidade do Corsia.”

No parágrafo 12 há também uma menção parecida com o item c do working paper nº 26: “Os critérios do Corsia de sustentabilidade, certificação de sustentabilidade e metodologia para avaliação do ciclo de vida emissões utilizadas para ‘combustíveis elegíveis para o Corsia’, devem ser utilizados como base de aceite para a elegibilidade de SAF, LCAF e outras energias limpas utilizadas na aviação internacional.”

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