A frota somada das três principais companhias aéreas brasileiras se aproxima de uma maioria formada por aviões de nova geração, mais eficientes do ponto de vista energético, consumindo menos combustível e, consequentemente, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa. Em 31 de dezembro de 2023, de uma composição de 430 aeronaves para transporte de passageiros, 190 eram de nova geração, o que significa uma participação de 44% do total da frota de Azul, Gol e Latam, incluindo turboélices e jatos de corredor único e widebodies.
A modernização da frota no país começou em 2011, quando a Azul recebeu o seu primeiro ATR 72-600. Desde então, outros modelos de aviões se juntaram, notadamente a família Airbus A320neo, o Boeing 737 MAX 8 e o Embraer E195-E2. A substituição das aeronaves de geração anterior vinha ocorrendo em uma curva relativamente constante até 2020, mas a partir de 2021 houve uma intensificação nesse movimento de atualização, o que aponta para a inversão da maioria já em 2024.
Nova geração x Geração anterior
Renovação da frota de Azul, Gol e Latam aponta para maioria mais eficiente (Dados referentes a 31 de dezembro dos respectivos anos)
Esses aviões não proporcionaram apenas um salto tecnológico às empresas, mas também foram responsáveis pela economia de milhões de litros de querosene de aviação (QAV), de origem fóssil e um dos principais responsáveis pela crise climática. E enquanto os combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, na sigla em inglês) — a principal aposta para a descarbonização do setor aéreo — não estão disponíveis para uso em larga escala e em todos os cantos do mundo, a indústria vem buscando outros caminhos para atingir a meta de zerar emissões líquidas de carbono até 2050.
De acordo com o Grupo de Ação de Transporte Aéreo (Atag, na sigla em inglês), que representa a indústria da aviação nas ações de redução de emissões dos gases de efeito estufa, além do SAF há outros três pilares para chegar às metas: tecnologia, operação e medidas de compensação. O item tecnologia é o que mais se destaca depois dos combustíveis sustentáveis, com potencial para responder por 12% de todas as ações para zerar as emissões.
No pilar de tecnologia estão as aeronaves de nova geração, que apresentam avanços significativos em relação aos seus antecessores, com designs mais aerodinâmicos e que diminuem o arrasto — os formatos de asas e winglets estão nessa categoria. Há também uma evolução nos materiais, mais leves e que reduzem o peso total dos aviões. E, claro, os motores, com novas formas de construção e que resultam em um aumento de eficiência. Esse conjunto tem o potencial de reduzir em até 30% o consumo de combustível e, consequentemente, as emissões na atmosfera na comparação com os modelos anteriores.
No duelo Airbus x Boeing há praticamente um empate técnico no quesito eficiência. O A320neo — usado no Brasil pela Azul e pela Latam — e o Boeing 737 MAX — exclusivo da Gol no país — entregam uma redução média de 15% no consumo de combustível em relação aos respectivos antecessores. No caso do Airbus A321neo, o aumento de eficiência pode chegar a 20%. Esses ganhos são muito graças aos motores. No caso da Airbus, há duas opções: CFM International LEAP-1A e o Pratt & Whitney PW1100G. Já para o avião americano, o CFM International LEAP-1B foi o escolhido.
O ganho de eficiência do Embraer E195-E2 se deve a um novo desenho das asas, que são mais longas e sem winglets, e aos dois motores Pratt & Whitney PW1900G. Com isso, a aeronave de fabricação brasileira consegue entregar uma redução de 18% no consumo de combustível quando comparado ao E195 de primeira geração — como o modelo tem maior capacidade, a redução por assento chega a 26%. No país, somente a Azul opera o E195-E2.
Além dos jatos de corredor único, a Azul e a Latam operam aviões maiores, usados para voos de longo curso. Na lista estão os Airbus A330neo, que são uma evolução da geração anterior, e o A350-900, que já saiu da prancheta nesse contexto de ganho de eficiência. A Azul opera ambos os modelos da fabricante europeia — a Latam chegou a escalar o A350 por alguns anos, mas dentro das opções de nova geração, hoje opera somente um Boeing 787-9.
Não só de jatos vive a nova geração de aeronaves. O turboélice ATR 72-600 é prova disso e, inclusive, veio antes, tendo entrado em serviço em 2012. Os turboélices geralmente já são aviões mais eficientes e econômicos, e com uma construção baseada em materiais mais leves, o ATR 72-600 consome menos combustível. Uma nova versão do motor da Pratt & Whitney, o PW127XT, que foi apresentado em 2021, ainda adicionou 3% de redução no consumo.
A nova geração de aeronaves no Brasil
Família A320neo é a principal representante da eficiência energética na frota brasileira (Dados referentes a 31 de dezembro dos respectivos anos)
Azul: a primeira a formar maioria de aviões da nova geração
O ATR 72-600 foi o avião que colocou a Azul em uma rota mais eficiente e limpa. O turboélice franco-italiano entrou na frota da companhia em 7 de outubro de 2011. De um, hoje são 38 exemplares que atendem principalmente as rotas regionais. Em cinco anos, ele substituiu completamente o antecessor ATR 72-500, período no qual esse modelo foi o representante da nova geração não só na frota da empresa, mas no país como um todo, afinal os jatos da Airbus e da Boeing voariam anos mais tarde.
A nova geração de aeronaves apresenta uma maior economia de combustível e, consequentemente, diminuição de emissão de CO2, ajudando a companhia na redução de custos e atingir as metas de descarbonização.”
Diogo Youssef, gerente de Eficiência de Voo da Azul.
A Azul não foi só a primeira a receber uma aeronave com tecnologia mais avançada, mas também a primeira — e a única até o momento — a inverter a curva e contar com uma frota composta majoritariamente por aviões de nova geração. Essa inversão ocorreu em 2019, motivada principalmente pela chegada dos Airbus A320neo, que haviam começado a desembarcar em 2016 na empresa.
E foi exatamente em 2019 que a Azul adicionou outros modelos que foram responsáveis pela inversão. Naquele ano chegaram um Airbus A321neo, dois Airbus A330neo e os primeiros quatro Embraer E195-E2. No caso da fabricante brasileira, a companhia aérea foi a cliente de lançamento, recebendo em 12 de setembro o primeiro exemplar do modelo no mundo, na frente de todos os outros clientes da Embraer. Com isso, em 2019 a Azul fechou o ano com a balança mais pesada para o lado dos aviões de nova geração: 75 contra 68.
Inversão na curva
Em 2019, a Azul formou maioria de aviões de nova geração na frota (Dados referentes a 31 de dezembro dos respectivos anos)
No fim do ano passado, a frota da companhia tinha 75% das aeronaves de nova geração — além dos modelos já citados, o Airbus A350-900 também se juntou —, com destaque ao A320neo, com 49 exemplares. Dessa maneira, a Azul não só conta com uma frota mais moderna, mas também mais econômica e com menor pegada de carbono, importante para a meta de zerar as emissões até 2045, cinco anos antes da indústria como um todo.
“A nova geração de aeronaves apresenta uma maior economia de combustível e, consequentemente, diminuição de emissão de CO2, ajudando a companhia na redução de custos e atingir as metas de descarbonização”, confirma o gerente de Eficiência de Voo da Azul, Diogo Youssef.
“Hoje, as aeronaves de nova geração respondem por aproximadamente 60% das reduções de emissões. Os outros 40% são obtidos pelo Programa de Eficiência de Combustível (PEC), que em 2022 proporcionou uma economia de 134 mil toneladas de CO2, por meio de aplicação de procedimentos específicos pelos nossos pilotos, ações estratégicas no planejamento do voo e otimização e redução de rotas”, complementa.
A tendência é que em alguns anos a companhia aérea tenha uma frota 100% de nova geração, apoiada principalmente na substituição dos Embraer E195 pelo irmão mais novo. Além disso, nas rotas internacionais, o A330neo deve figurar absoluto no lugar do antecessor A330-200.
“A Azul tem previsão de receber, ainda neste ano, 13 aeronaves Embraer E2, a maior e mais moderna fabricada no Brasil, que possui uma maior economia de combustível. Além disso, a partir de 2026, a companhia receberá sete novos Airbus A330neo para operar em voos de longas distâncias”, aponta Youssef.
Gol: atrasos da Boeing atrapalham planos de renovação da frota
Em 28 de junho de 2018, a Gol recebeu o seu primeiro Boeing 737 MAX 8, a aposta da companhia para os anos seguintes no aspecto de eficiência energética. Naquele ano chegaram ao Brasil seis exemplares. Mas logo eles ficariam parados devido a dois acidentes com o modelo e que forçaram a fabricante a cessar as entregas por mais de um ano, até que a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA, na sigla em inglês) autorizasse a continuidade das entregas em 2020.
E a partir de então o ritmo começou a aumentar, especialmente em 2021 e 2022. Só nesses dois anos, a Gol recebeu 31 unidades do MAX — foram 16 em 2021 e 15 no ano seguinte. Ao mesmo tempo, a geração anterior começou a deixar a frota, quase no mesmo ritmo da chegada dos MAX. Esse movimento, analisa a própria companhia, tem sido muito benéfico para a redução no consumo de combustível, um produto caro e que tem grande impacto no caixa e no meio ambiente. E o MAX tem sido fundamental nesse sentido.
Quanto mais MAX a companhia tiver voando, obviamente estaremos poupando mais combustível e, consequentemente, emissões de carbono.”
Eduardo Calderon, diretor do Centro de Controle Operacional (CCO) e Engenharia da Gol.
“Nós temos um software que faz essa comparação [entre os MAX e os aviões da geração anterior], acompanhamos mês a mês, somos bem rigorosos nesse tema. Ele leva em consideração payload, rotas, é uma comparação direta. E o MAX entrega exatamente o que foi prometido, que é 15% de redução no consumo de combustível. O MAX é realmente uma máquina maravilhosa sob o ponto de vista de eficiência energética”, atesta o diretor do Centro de Controle Operacional (CCO) e Engenharia da Gol, Eduardo Calderon.
Com esse desempenho, a Gol se apressa para contar com mais aeronaves de nova geração. Entretanto, o ritmo de entregas por parte da Boeing não tem sido satisfatório e vem atrapalhando esse planejamento. Ao fim de 2023, a companhia contava com 44 Boeing 737 MAX 8, representando 35% da frota. Um número que a Gol esperava ser maior, com 14 entregas no ano passado, mas a fabricante americana entregou apenas seis.
Cadência interrompida
Após dois anos de intensa chegada de aviões Boeing 737 MAX, em 2023 o ritmo caiu (Dados referentes a 31 de dezembro dos respectivos anos)
“Quanto mais MAX a companhia tiver voando, obviamente estaremos poupando mais combustível e, consequentemente, emissões de carbono. A nossa meta é assegurar que a promessa da Boeing dos próximos MAX que serão entregues ao longo deste ano sejam realmente cumpridas”, comenta Calderon.
O plano da companhia é chegar à metade de 2024 com uma frota composta por 50% de aviões de nova geração, contando com a entrega de novos MAX e a saída dos antecessores. Isso mesmo diante do pedido de recuperação judicial que a Gol entrou nos Estados Unidos no fim de janeiro. “O nosso problema hoje é menos o Chapter 11 [recuperação judicial] e muito mais a capacidade de produção, de execução e de entrega da Boeing”, finaliza o diretor da Gol.
A Gol tem a meta de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050 e a troca de tecnologia é, por ora, o principal meio para chegar lá — a meta é ter apenas Boeing 737 MAX até 2035. Isso porque a disponibilidade de SAF é praticamente nula no Brasil, o que impossibilita de seguir também por esse caminho. Para tentar contornar essa questão, no ano passado, a companhia anunciou a adesão à plataforma de Book and Claim da Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB), em parceria com a Vibra. Nesse mecanismo, as empresas podem contabilizar os benefícios do SAF sem necessariamente consumir o produto físico.
Latam: nova geração de aeronaves chegou com força em 2023
O ano passado representou um marco para a operação brasileira da Latam em se tratando da renovação de frota. Isso porque 2023 foi o período no qual a companhia recebeu o maior número de aviões de nova geração. Dos 26 que fecharam o ano na frota, 16 desembarcaram no país em 2023. Ou seja, 61% dos aviões mais eficientes foram incorporados recentemente à frota.
Essa intensificação foi representada pela família neo da Airbus. Foram nove A320neo e sete A321neo. Aliás, exceto por um Boeing 787-9 para voos internacionais, todas as outras aeronaves de nova geração são de corredor único e da fabricante europeia. Com isso, a frota da Latam era formada ao fim do ano passado por 18% de aviões mais eficientes do ponto de vista energético.
Ritmo intenso
Em 2023, Latam acelerou a chegada de aviões de nova geração (Dados de 31 de dezembro de 2023)
O primeiro jato de nova geração que chegou para a Latam foi um Airbus A350-900, recebido em 17 de dezembro de 2015. Curiosamente, desde 2020 essa linha de aeronaves não está mais na frota da empresa, que priorizou modelos da Boeing para rotas de longo curso, notadamente o Boeing 777-300ER.
“A estratégia de renovação e modernização de frota do grupo Latam é uma das frentes em que a companhia atua para contribuir com a estratégia de descarbonização, como parte do pilar de mudanças climáticas da Estratégia Global de Sustentabilidade da Latam Airlines. A companhia tem investido em modelos mais eficientes, que consomem menos combustível e que permitem o uso do SAF, tendo como consequência menor emissão de gases de efeito estufa”, informou a Latam.
A Latam trabalha com duas metas de descarbonização, de forma escalonada. Até 2030, a companhia assumiu o compromisso de reduzir e compensar 50% de suas emissões domésticas de CO2. E na sequência, em 2050, a empresa tem o objetivo de se tornar carbono neutro, assim como o setor aéreo de forma geral.
“A família de aeronaves A320neo se encaixa perfeitamente à estratégia de sustentabilidade do grupo Latam tanto no curto quanto no longo prazo. No curto prazo, elas entregam eficiência no uso de combustível e contribuem com a redução das emissões de CO2. Já no longo prazo, considerando um cenário em que o combustível sustentável de aviação (SAF) seja produzido e disponibilizado em alta escala, elas também podem contribuir por serem aeronaves com tecnologia preparada para operar com esse tipo de combustível”, comunicou a empresa.
Nesse sentido, o grupo Latam, incluindo as operações em outros países da América do Sul, tem um plano de frota que prevê até 2030 um total de 110 aeronaves A320neo, A321neo e A321XLR — este último é a versão de longo alcance da família. Isso ao mesmo tempo em que os aviões da geração anterior seguem deixando a frota.