A Latam é a maior companhia aérea da América Latina e, consequentemente, tem desafios proporcionais para descarbonizar suas operações até 2050, seguindo uma meta interna e acompanhando compromissos globais do setor da aviação. De acordo com a companhia, o principal caminho para atingir essa ambição é a adoção em larga escala dos combustíveis sustentáveis de aviação (SAF). No entanto, a baixa disponibilidade e o alto custo, especialmente na região, impedem o seu uso nesse momento.
A Latam garante que tem interesse em usar SAF e por isso vem buscando um diálogo com parceiros do setor aéreo e com órgãos públicos para que haja definições mais claras sobre políticas que incentivem não apenas o investimento na produção de SAF, mas também o seu uso. A companhia já realizou alguns voos de teste usando combustíveis sustentáveis, mas ainda aguarda mais clareza para ampliar essa iniciativa.
Enquanto isso, a Latam vem atuando em outros pilares para reduzir as emissões, notadamente na renovação da frota, acentuada a partir do ano passado, com o recebimento de aviões de nova geração, como os Airbus A320neo e A321neo, que são mais eficientes e consomem menos combustível. Em paralelo, a empresa aposta na melhoria operacional e nos programas de compensação de carbono em parceria com a Fundação Cataruben, da Colômbia.
O Voo Limpo conversou com a gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente da Latam Brasil, Lígia Sato, sobre os desafios da companhia e do setor para reduzir as emissões dos gases do efeito estufa. Na entrevista, ela destaca a necessidade de incentivos para o SAF e a importância de adotar outras medidas para driblar a falta de disponibilidade do produto no Brasil e em toda a América Latina.
Voo Limpo: De que forma as companhias aéreas, incluindo a Latam, devem se engajar para aumentar a disponibilidade de SAF?
Lígia Sato: O SAF tem um enorme potencial para impulsionar a descarbonização da aviação, mas a sua produção em escala para atender às necessidades das companhias aéreas requer um marco regulatório com regras claras e coerentes, segurança jurídica para investimentos, além de incentivos e tributação adequados. Além disso, a descarbonização do setor aéreo não é uma tarefa que as companhias aéreas podem realizar sozinhas e o SAF também não é a única solução a ser buscada. A descarbonização da aviação requer atuação em outras três frentes: a incorporação de novas tecnologias, como frotas mais eficientes ou sistemas que permitam a otimização da operação; mais eficiências operacionais que possibilitem a redução das emissões; e a compensação das emissões.
Você acha que as companhias aéreas devem participar mais diretamente para que esse cenário mude, inclusive investindo em parcerias com produtoras de SAF?
A Latam já utilizou SAF em voos, como no caso do primeiro voo internacional (rota Espanha-América do Norte) em março de 2023 e do primeiro voo de entrega de aeronave A320neo (rota Toulouse – Fortaleza) em julho de 2023. A companhia ainda tem dado sinalizações claras ao mercado e autoridades de que a obtenção do SAF de qualidade deve superar os desafios de disponibilidade limitada e altos custos. Por isso, a Latam apoia, em parceria com a Airbus, um estudo do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Dados apresentados no início de abril deste ano, em Santiago (Chile), em um evento da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), mostram que o Brasil possui enorme potencial para o desenvolvimento do SAF, porém necessita de políticas públicas que estimulem sua produção. O estudo informa ainda que a ausência de políticas públicas que estimulem a produção de SAF pode impactar negativamente o preço do combustível de aviação e, por consequência, o preço das passagens aéreas.
Serão requeridos mecanismos de política pública por parte dos governos para criar as condições habilitantes de maneira que o SAF seja comercialmente viável na região.”
Lígia Sato, gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente da Latam Brasil.
Há planos dentro da Latam para realizar mais voos com SAF, como foram feitos com a Latam Cargo, abastecendo na Europa e vindo para a América do Sul? É possível também para voos de passageiros?
Em março do ano passado, a Latam realizou seu primeiro voo internacional com o SAF: um voo cargueiro da Espanha à América do Norte. Em julho do ano passado, recebemos um A320neo da Airbus que utilizou 30% de SAF no voo de entrega (entre Toulouse e Fortaleza) e, em outubro, um A321neo abastecido com 49% desse combustível (em um voo entre Hamburgo e Fortaleza). São sinalizações que temos dado ao mercado de que existe demanda e interesse em obter SAF de qualidade, em alta escala e dentro dos critérios técnicos exigidos.
Diante da falta de SAF, é realmente possível chegar a 2030 usando 5% de combustível sustentável de aviação nos voos grupo?
O SAF tem um enorme potencial de impulsionar a agenda de descarbonização da aviação, principalmente na América do Sul. O cenário hoje é de disponibilidade limitada e altos custos. Atualmente, a produção de SAF é suficiente para 0,15% da demanda mundial e seus valores são até cinco vezes superiores ao combustível de aviação convencional. De acordo com os resultados preliminares apresentados pelo estudo desenvolvido pelo MIT, o Brasil está bem posicionado para ser um importante produtor de SAF latino-americano durante os próximos dez anos se existirem os incentivos necessários. Serão requeridos mecanismos de política pública por parte dos governos para criar as condições habilitantes de maneira que o SAF seja comercialmente viável na região.
Enquanto não há disponibilidade de SAF, há outros pilares que desempenharão um papel fundamental no caminho da descarbonização. A compensação de carbono é um deles. Qual a importância desse mecanismo?
Desde 2022, a Latam mantém uma aliança com a Fundação Cataruben no projeto CO2Bio, iniciativa de conservação e restauração de planícies inundadas e florestas na América do Sul. Localizado na Orinoquia colombiana, o projeto prevê capturar 11,3 milhões de toneladas de CO2 até 2030 em uma área de 575 mil hectares, o equivalente a mais de três vezes o tamanho de cidades como Bogotá e São Paulo. O projeto promove e implementa planos de conservação com base em critérios de sustentabilidade e uso histórico da terra, envolvendo a comunidade em ações de proteção, além de estabelecer boas práticas para que possam fazer uso sustentável dos recursos disponíveis neste importante ecossistema.
A Latam escolheu algumas situações específicas para compensação, como voos fretados e cargueiros em parceria com clientes. Qual a avaliação desses programas e quais os planos da companhia para expandir essa linha para descarbonização?
Com a contribuição da Latam Cargo, por meio do programa “1+1: Compensar para Conservar”, houve a compensação de 2,5 mil toneladas de CO2, quantidade que foi duplicada para 5 mil toneladas, cobrindo todas as emissões geradas pelos embarques de cargas da Brix Cargo e Unicargo durante 2023. Nessa iniciativa, o grupo Latam garante que seus clientes cargueiros assumam a compensação de apenas 50% das suas emissões, enquanto a empresa cargueira fica responsável por compensar a outra metade. A contribuição das empresas beneficia projetos certificados que buscam a conservação de ecossistemas estratégicos na América do Sul. Além disso, em outubro de 2023, a Latam se tornou a primeira companhia aérea do Brasil a ter voos charters (fretados) 100% compensados no mercado nacional e internacional com origem no Brasil. Com isso, todos os contratos de fretamento realizados pela Latam no Brasil passaram a incluir o valor da compensação, que varia de acordo com origem, destino e modelo da aeronave. A expectativa é que as emissões de mais de 500 voos sejam compensadas por ano no Brasil.
A companhia tem investido em modelos de aviões mais eficientes, que consomem menos combustível, tendo como consequência menor emissão de gases de efeito estufa.”
Lígia Sato.
E como está a estratégia da companhia de oferecer a possibilidade do passageiro pagar pela compensação do próprio voo? Esse é um caminho interessante ou ainda é algo muito incipiente e desconhecido, especialmente para o público brasileiro?
Atualmente, os clientes corporativos da Latam no Brasil têm a possibilidade de compensar a pegada de carbono gerada por suas viagens aéreas no programa “1+1: Compensar para Conservar”, para apoiar a proteção do meio ambiente e dos ecossistemas de forma colaborativa. Para cada tonelada que o cliente compense, o grupo Latam compensa mais uma, dobrando assim o impacto positivo no meio ambiente e nos ecossistemas.
No pilar operacional, o que a Latam faz efetivamente para reduzir o consumo de combustível e, consequentemente, as emissões?
O grupo Latam possui compromissos públicos de reduzir e compensar o equivalente a 50% das suas emissões domésticas até 2030 e ter emissões líquidas zero até 2050. Por isso, já adquirimos aeronaves que consomem até 25% menos combustível, como o Airbus A320neo, e instalamos softwares e ferramentas de machine learning que otimizam procedimentos, abastecimento e trajetórias dos aviões. Também começamos a testar o uso de veículos elétricos para o atendimento das aeronaves em solo. Em 2022, a companhia se tornou a primeira aérea do Brasil a utilizar energia elétrica em operações de solo, com um investimento de mais de R$ 30 milhões em parceria com a Real Aviation e a BH Airport. Desde então, a operação de ground handling é realizada por equipamentos movidos a energia elétrica em vez de diesel em pelo menos 50% dos voos da companhia no Aeroporto Internacional de Confins, em Belo Horizonte. Com esta iniciativa, a Latam deixa de emitir 114 toneladas de CO2 por ano. A empresa também possui o Latam Fuel Efficiency, um programa corporativo de eficiência de combustível, que considera iniciativas focadas na redução do consumo e melhoria da eficiência operacional. Entre 2011 e 2023, o grupo alcançou 6,3% de eficiência de combustível de aviação por meio do programa, economizando, no total, o equivalente a 737 mil toneladas de CO2. Além disso, apoiamos a Abear e o Decea no redesenho de 75 rotas do Brasil, ajudando a reduzir em 62 milhões de quilos o consumo de QAV e em 196 milhões de quilos as emissões de gás carbônico entre 2020 e o primeiro trimestre de 2023.
A redução de peso nas aeronaves afeta diretamente no consumo de combustível. O que ainda é possível fazer nesse sentido?
Dentro do programa Latam Fuel Efficiency, a Latam busca oportunidades para eliminar peso desnecessário durante o voo, como na iniciativa de reduzir o carregamento de água potável na aeronave, com base em diferentes fatores pré-calculados que garantem a disponibilidade deste recurso durante o voo. Ao mesmo tempo que se reduz o consumo de combustível devido ao menor peso, aumenta-se a capacidade do transporte de carga da aeronave.
E como a companhia busca trabalhar com administradores de aeroportos para tornar a operação em solo mais eficiente, inclusive com uso de ônibus e outros equipamentos elétricos?
Em dezembro de 2023, a Latam começou a testar em parceria com a Audi do Brasil no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o uso de veículos elétricos para o embarque e desembarque de clientes. A iniciativa é inédita na América do Sul.
A Latam intensificou desde o ano passado o recebimento de aeronaves de nova geração da família Airbus A320neo. Como está o plano para substituir as aeronaves menos eficientes por essas?
A estratégia de renovação e modernização de frota do grupo Latam é uma das frentes em que a companhia atua para contribuir com a estratégia de descarbonização, como parte do pilar de mudanças climáticas da Estratégia Global de Sustentabilidade da Latam Airlines. A companhia tem investido em modelos mais eficientes, que consomem menos combustível, tendo como consequência menor emissão de gases de efeito estufa. Em 2023, a Latam recebeu em sua operação brasileira 15 novas aeronaves, sendo sete Airbus A321neo, modelo 20% mais eficiente no consumo de combustível, que emite 20% menos de CO2 e produz 50% menos ruído em comparação com os modelos anteriores da fabricante, e oito Airbus A320neo, que oferece economia de combustível de 15% se comparado à tecnologia anterior da Airbus, podendo chegar a 20% em voos mais longos.