Voo Limpo Tecnologia Como a Boeing pretende contribuir para descarbonizar a aviação

Como a Boeing pretende contribuir para descarbonizar a aviação

Fabricante americana aposta no combustível sustentável de aviação (SAF) e na melhoria dos desenhos de aviões para setor aéreo cumprir metas de redução de emissões até 2050

Boeing usa SAF nos voos do ecoDemonstrator. Foto: Divulgação/Boeing

O setor da aviação tem metas globais de redução de emissões dos gases do efeito estufa, sobretudo do dióxido de carbono (CO2), e a Boeing, uma das principais fabricantes de aeronaves comerciais do mundo, tem bem claro que dois pontos serão primordiais para cumprir esse desafio até 2050: a melhoria no desenho dos aviões e o uso de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF).

As aeronaves comerciais atuais são ainda muito parecidas com aquelas da década de 1950. Um Boeing 737 MAX ou um 787 Dreamliner não é tão diferente de um Boeing 707, o primeiro jato comercial da empresa, ao menos em seu desenho geral. De lá para cá, novas tecnologias de materiais, de sistemas e de motores, além de incrementos aerodinâmicos, tornaram os aviões mais eficientes. E são nessas melhorias que a Boeing está se debruçando para ganhar ainda mais eficiência.

De acordo com a fabricante americana, cerca de 15% a 20% das reduções de emissões do setor aéreo serão resultado de melhorias nos desenhos dos aviões atuais. Por isso, toda e qualquer mudança é considerada importante. Pode ser o winglet, o formato da asa, o material mais leve. Tudo isso ajuda na soma total na busca pela eficiência que, a rigor, significa menos consumo de combustível.

Se tudo der certo, poderemos aplicar algumas tecnologias que estão sendo desenvolvidas para o X-66 em um avião comercial. E são principalmente melhorias em aerodinâmica.”

Otávio Cavalett, líder regional de Políticas e Parcerias Globais de Sustentabilidade da Boeing para a América Latina.

“Os aviões de hoje já são extremamente eficientes. E todas as melhorias que acrescentamos, como winglets e outros, são melhorias incrementais. Gastam-se bilhões de dólares para melhorar 1 ou 2% de eficiência, em questões que basicamente não mudam o desenho da aeronave”, explica o líder regional de Políticas e Parcerias Globais de Sustentabilidade da Boeing para a América Latina, Otávio Cavalett.

Ele adianta que em um futuro próximo os aviões vão continuar os mesmos, com seu desenho tradicional de tubo e asas. Isso não significa que desenhos mais radicais estejam fora de questão. Pelo contrário. Existe a urgência na descarbonização do setor aéreo, que está trabalhando com o que há disponível hoje, mas somente para além de 2050, os aviões comerciais deverão ter outro visual.

Nesse caminho, a Boeing tem investido em conjunto com a NASA, no programa X-66. Trata-se de um novo conceito de avião, baseado na tecnologia Transonic Truss-Braced Wing (TTBW), com asas mais finas e com ligações em dois pontos da fuselagem. Não é necessariamente uma revolução de desenho, mas vai ajudar a modelar essa aviação do futuro, com resultados práticos para os próximos anos, inclusive, para as aeronaves atuais.

“Estamos trabalhando para entender essas tecnologias futuras da aviação. Um potencial é realmente o X-66, um protótipo que a Boeing vai construir e testar em condições reais de voo. Se tudo der certo, poderemos aplicar algumas tecnologias que estão sendo desenvolvidas para o X-66 em um avião comercial. E são principalmente melhorias em aerodinâmica”, atesta Cavalett.

Em março deste ano, a Boeing e a NASA informaram que o X-66 começou a ser montado. O protótipo é baseado em um avião do modelo MD-90, que foi transportado para a unidade de Palmdale, na Califórnia. Lá teve os motores removidos e começou a passar por modificações para se transformar no protótipo. A expectativa é de que o X-66 inicie em 2028 os primeiros testes em solo.

X-66 NASA Boeing
X-66 é um projeto da Boeing em parceria com a NASA. Foto: Divulgação/NASA

SAF é o caminho mais óbvio para a Boeing

A outra parcela de contribuição para descarbonizar a aviação, segundo a Boeing, será dada pelos combustíveis sustentáveis de aviação (SAF). Apesar de ainda representarem menos de 1% no uso total do setor, a fabricante não tem dúvida de que são a solução mais rápida e barata para atingir as metas de redução de emissões.

“A Boeing não será um produtor de SAF nem um grande consumidor de SAF, mas queremos que o SAF esteja acessível para os nossos clientes”, declara Cavalett.

Para facilitar esse acesso e aumentar a disponibilidade do produto, a companhia tem contribuído com pesquisa, seja com diversos voos de testes dos aviões ecoDemonstrator ou de clientes parceiros, como o da Virgin Atlantic, primeiro avião comercial a realizar um voo transatlântico com 100% de SAF — o Boeing 787 voou de Londres para Nova York somente com combustível sustentável nos motores. Nesse sentido, a Boeing pretende certificar todos os seus aviões até 2030 para voar somente com SAF.

O Brasil, como segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, tem um potencial gigante [para a produção de SAF].”

Otávio Cavalett.

E a pesquisa da companhia sobre SAF também tem passado pelo Brasil, mas de uma forma diferente. Por aqui, a fabricante americana tem investido na geração de dados sobre matérias-primas para acelerar a produção local de combustível sustentável de aviação.

Foi dessa forma que nasceu o SAFMaps, uma plataforma aberta de visualização que compila dados de disponibilidade potencial das matérias-primas brasileiras mais promissoras para a produção de SAF e fornece mapas, relatórios e estudos de casos. O objetivo é dar ao potencial investidor uma visão geral sobre as vantagens e os desafios de cada matéria-prima. O projeto é realizado em conjunto com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB) e a Agroicone.

“É uma ferramenta importante para o go e no-go no país. Um investidor precisa de uma análise mais detalhada, mas pode verificar uma região e ver a disponibilidade de matéria-prima, o raio de transporte, o custo desse transporte”, esclarece o líder regional da Boeing, Otavio Cavalett. “A fase 3 incluiu critérios de sustentabilidade, com mapas cobrindo potenciais impactos em determinada região, déficit hídrico e indicadores socioeconômicos. Todos esses fatores podem ajudar na definição sobre a instalação de uma biorrefinaria”, complementa.

Esse projeto ser executado no Brasil não é por acaso. A Boeing enxerga o país como um dos principais protagonistas na produção de SAF nos próximos anos, não só pela disponibilidade de matéria-prima, mas também pela experiência com biocombustíveis, notadamente o etanol, com uma cadeia de valor já estabelecida, com baixo custo de produção e uma pegada de carbono competitiva.

Talvez o hidrogênio não seja a melhor molécula para pensarmos como carregador de energia para a aviação.”

Otávio Cavalett.

Além disso, Cavalett garante que o Brasil é o país da América Latina com política pública mais avançada nesse setor, e que deve ficar ainda mais clara com o PL do Combustível do Futuro, aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal — o projeto cria mandato de redução de emissão para voos domésticos, começando com 1% em 2027 e chegando a 10% em 2037.

“O Brasil, como segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, tem um potencial gigante. E a aprovação do projeto pode tirar o risco de alguns investimentos que estão sendo planejados e tirar do papel os projetos que já existem no Brasil”, analisa.

Em paralelo, Boeing investe na eletrificação de aviões

A aposta imediata da Boeing no SAF não retira, necessariamente, outras formas de energia para mover os aviões da fabricante nos próximos anos. A companhia, por exemplo, vem investindo em eletrificação por meio de sua subsidiária Wisk Aero. A startup está desenvolvendo uma aeronave elétrica de decolagem e pouso vertical (eVTOL) autônoma. Atualmente ela está em campanha de ensaios em voo e em processo de certificação na Administração Federal da Aviação dos Estados Unidos (FAA).

As especificações atuais do eVTOL da Wisk apontam capacidade para quatro passageiros, altitude de cruzeiro de 2.500 a 4.000 pés, velocidade 120 nós (220 km/h) e alcance de 144 quilômetros. O alcance, aliás, é o principal desafio da eletrificação no setor aéreo e o que deve limitar essa tecnologia na aviação comercial, mesmo em formato híbrido, juntando baterias e combustão.

“As baterias têm melhorado e vão continuar melhorando, mas teremos limites de operação em termos de carga e autonomia. Então precisamos ver se conseguimos fazer um Wisk maior e ganhar autonomia para ver os limites para esse tipo de avião”, observa o líder regional de Políticas e Parcerias Globais de Sustentabilidade da Boeing para a América Latina, Otávio Cavalett. “Temos trabalhado nos sistemas híbridos, de combustão mais eletrificação, mas ainda tendem a ser pesados, com potencial de alcance limitado”, completa.

eVTOL da Wisk Aero foi desenvolvido para voo autônomo. Foto: Divulgação/Wisk Aero

Apesar dessas limitações, a Boeing não vê hoje a viabilidade de um outro tipo de energia para mover os aviões que não seja SAF ou eletricidade. Isso inclui o hidrogênio. A fabricante americana testou seis diferentes tecnologias de hidrogênio nos últimos 15 anos, seja em combustão ou células de combustível e tanques de armazenamento. Os resultados, do ponto de vista da Boeing, não foram promissores.

“Já temos trabalhado bastante com isso, mas diria que a visão da Boeing é bastante cética quanto aos desafios que temos com o hidrogênio, principalmente quanto ao desenho dessas aeronaves, armazenamento líquido de hidrogênio, todos os sistemas que precisam ser refeitos e a questão de certificação e segurança, além do suprimento de hidrogênio renovável nas quantidades que serão necessárias para o setor da aviação”, explica Cavalett. “Talvez ele não seja a melhor molécula para pensarmos como carregador de energia para a aviação”, reforça.

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