A produção de combustível sustentável de aviação (SAF) depende exclusivamente da disponibilidade de matérias-primas. No Brasil há muitas e para diferentes rotas tecnológicas, como cana-de-açúcar, soja, milho, canola, palma de óleo, sebo bovino, biogás, entre outras. Ainda um pouco esquecida, mas com um potencial de mercado promissor, está a macaúba, uma palmeira nativa que promete ser uma das principais frentes para que o país se torne protagonista na produção de SAF.
Para produzir combustível pela rota HEFA (ácidos graxos e ésteres hidroprocessados), a mais usada atualmente e com tecnologia comprovada e em uso em várias partes do mundo, é necessária uma fonte que produza muito óleo. A macaúba é capaz de fornecer até 5 toneladas de óleo por hectare, bem acima dos 800 quilos que a soja proporciona e mesmo dos 3.500 quilos gerados pela palma de óleo.
Além da capacidade de gerar óleo, a macaúba tem uma vantagem competitiva em relação a outras matérias-primas: ela é encontrada em quase todo o território nacional. Isso expande as possibilidades comerciais e de investimentos para mais partes do país, o que pode ser particularmente interessante dentro de uma futura cadeia logística do SAF.
“A macaúba tem maior possibilidade de terra, inclusive em áreas de pastagens com algum estágio de degradação. Isso é importante, para recuperar áreas que já foram modificadas da paisagem natural. Não há mudança do uso do solo”, aponta a pesquisadora da Embrapa Agroenergia, Simone Favaro, que coordena o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) da macaúba, estudo que disponibiliza dados sobre as regiões mais favoráveis para o plantio dessa cultura.
A macaúba tem muita variabilidade genética, então é preciso selecionar os indivíduos que produzem mais, assim as chances de os filhos produzirem mais é muito maior.”
Simone Favaro, pesquisadora da Embrapa Agroenergia.
A macaúba pode ser plantada em sistemas mistos, junto com outras culturas e também onde há produção animal. Isso significa que não há a necessidade de abrir novas áreas para que ela seja plantada, o que é determinante para que a matéria-prima seja certificada dentro dos mais rigorosos padrões internacionais, que levam em conta os processos em todo o ciclo de vida de produção do combustível. É, por exemplo, uma dificuldade encontrada pela palma de óleo, restrita a regiões de floresta tropical úmida, como a Amazônia.
“O que não queremos é repetir isso com a macaúba no Brasil. Não queremos que siga no mesmo caminho [da palma de óleo]. Por isso que estamos incentivando o cultivo da macaúba em sistemas mistos, integrados, não só com a macaúba, mas com lavouras e produção animal. E de preferência usando terras que foram desmatadas para não expandir a fronteira agrícola. Essa abordagem é que vai fazer toda a diferença para a cadeia da macaúba”, destaca Simone.
O fruto da macaúba: diversos potenciais de uso
A macaúba é uma palmeira que pode atingir 20 metros de altura, com troncos de 20 a 30 centímetros. Como é encontrada em várias partes do Brasil, é conhecida por nomes diferentes em algumas regiões. No Nordeste, por exemplo, fala-se em macaíba. No Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, ela é chamada de bocaiúva. Em Goiás é conhecida por coco-babão. A área nativa da macaúba no Brasil se estende do Oeste do Rio Grande do Sul a áreas da Amazônia e do semiárido.
Os frutos da macaúba são arredondados com tamanho que varia entre 2 e 3,5 centímetros. Eles são compostos por casca, polpa, caroço ou endocarpo e a amêndoa. A quantidade de frutos por palmeira varia bastante, podendo chegar a até 200 quilos.
No Brasil há registros de oito espécies de macaúba, mas o interesse econômico se concentra em três delas: Acrocomia aculeata (de ocorrência predominante no Brasil Central), Acrocomia totai (Noroeste do Paraná, Oeste de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Pantanal) e Acrocomia intumescens (algumas áreas do Nordeste).
Para a produção de óleo, a Aculeata se destaca sobre as demais. Entretanto, o fruto da macaúba pode ser utilizado na totalidade, para diversos fins. A casca, por exemplo, pode ser usada para produzir energia e o endocarpo, por ter alto poder calorífico, pode ser destinado para produzir carvão ativado.
A polpa do fruto da macaúba é a principal fonte para a produção de óleo, mas a amêndoa também pode ser usada. Em geral, 80% do óleo sai da polpa e 20% da amêndoa. A macaúba fornece 25 toneladas de fruto por hectare, sendo quatro de óleo e 21 toneladas de outros materiais, que podem ser usados pela indústria.
O fruto da macaúba
Produtividade da macaúba é desafio para investidor
O potencial da macaúba para a produção de combustível sustentável de aviação (SAF) e diesel verde já despertou o interesse de grupos econômicos. Só que, ao mesmo tempo que se apresenta como uma matéria-prima promissora, ela coloca alguns desafios para quem pretende cultivá-la em larga escala.
Em primeiro lugar há o tempo para o cultivo. A macaúba é uma planta perene, mas a primeira colheita pode demorar de cinco a seis anos, com a produção se estabilizando em oito a nove anos. Por essa razão, qualquer investimento deve ser pensado a longo prazo e, de preferência, em um ambiente integrado.
“É um período longo, é demorado. Por isso, temos trabalhado para que ela entre no sistema de integração, porque não dá para esperar para ter retorno. Seja com soja, mandioca, o que for da vocação da região, isso vai amortizar o investimento”, aponta a pesquisadora da Embrapa Agroenergia.
Estamos incentivando o uso de terras que foram desmatadas para não expandir a fronteira agrícola. Essa abordagem é que vai fazer toda a diferença para a cadeia da macaúba.”
Simone Favaro, pesquisadora da Embrapa Agroenergia.
Outra dificuldade da macaúba é encontrar material altamente produtivo, já que parte da plantação pode não entregar a quantidade esperada de fruto e, consequentemente, de óleo para a produção de SAF. “A macaúba tem muita variabilidade genética, então é preciso selecionar os indivíduos que produzem mais, assim as chances de os filhos produzirem mais é muito maior. Isso é importante para não se correr o risco de ter o investimento frustrado”, complementa Simone.
A Acelen Renováveis, braço de biocombustíveis da Acelen e que tem como principal investidor o grupo Mubadala Capital, anunciou o investimento de US$ 2,5 bilhões na construção de uma biorrefinaria anexa à refinaria de Mataripe, em São Francisco do Conde, na Bahia, e na implantação de cinco hubs para o cultivo da macaúba em um área de 200 mil hectares na Bahia e em Minas Gerais.
Em maio deste ano, inclusive, representantes da Acelen Renováveis buscaram a Embrapa Cerrados para conhecer mais sobre as pesquisas a respeito da macaúba. A instituição implantou experimentos em Planaltina (DF) em 2006 com plantas originadas de Minas Gerais e São Paulo. Segundo o pesquisador Marcelo Fidelis, algumas plantas produzem cachos de 6 quilos e outras de até 25 quilos. Além disso, das 1.200 palmeiras plantadas, 200 não sobreviveram.
Além das pesquisas genéticas, a publicação do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) da macaúba, validado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), ajuda o investidor a tomar as melhores decisões, especialmente em relação às regiões mais propícias para o cultivo da planta.
“O principal objetivo de colocar a macaúba no pipeline do Zarc é o referendo de que é uma espécie pensada de forma séria e estratégica, com conhecimento e tecnologia”, diz Simone Favaro, coordenadora do Zarc da macaúba. “Isso dá segurança porque mostramos o risco menor para o cultivo. Para o empreendedor, quando ele olha para o Zarc, vê um guia, sabe onde é mais favorável. É uma ferramenta importante para um tomador de decisão”, completa.